O FASCÍNIO DAS CANÇÕES, HISTÓRIAS E DESENHOS ANIMADOS INFANTIS |
Tânia Ramos Fortuna |
Ouvir e ler histórias, assistir a desenhos animados e cantar são, para as crianças,formas de brincar.
Existem canções, histórias e desenhos infantis que, apesar de não descreverem atitudes ideais ou politicamente corretas (ao menos para os parâmetros comportamentais atuais), subsistem no imaginário lúdico e cultural da humanidade por várias gerações. É o caso das canções "Atirei o pau no gato" e "Boi da cara preta", e de personagens tais como o lobo que come a vovozinha, o caçador que mata o lobo, pais que abandonam os filhos na floresta onde uma bruxa pretende comer as crianças, a madrasta que persegue a Branca de Neve, com a passividade de seu pai. A própria história da Gata Borralheira fala em uma menina explorada pelas irmãs de criação... O que estas histórias / cantigas têm de fascinantes e que, por certo, é um dos motivos de sua manutenção entre nós, é o fato de que seus personagens têm personalidade,não são simplistas, e se mantém (não mudam a toda hora, dificultando a compreensão das crianças). Nos contos clássicos os personagens são menos volúveis, as narrativas mais ricas, fazendo as crianças pensarem. Isto não quer dizer que entre as produções infantis da atualidade não existam personagens assim, mas só o tempo mostrará o que têm de fundamental para a nossa cultura, isto é, o quanto concorrem para a constituição do patrimônio lúdico e cultural da humanidade. Quando se sabe que uma obra é um clássico? Como diz Roland Barthes, "quando se dá a ler ao longo do tempo". Tem muita criança (e até seus pais e professores) que nunca viu um lobo ou mesmo um boi, e no entanto eles povoam o imaginário infantil. Por quê? Porque são maravilhosamente transmitidos por meio da tradição oral, de forma transgeracional (de uma geração à outra), em momentos mágicos de encontro das infâncias (da infância de uma criança com a infância de um adulto que foi criança). Também porque este é um dos preciosos meios que temos - e temos poucos meios, se comparados com os recursos psíquicos do adulto - quando somos crianças, para lidar com situações desagradáveis e resolver conflitos pessoais. Esta é, na verdade, uma forma de proteger as crianças, já que por seu intermédio a criança lida com seus medos e emoções. Outro aspecto relevante dos contos tradicionais é a esperança que supõem: o final feliz, a transformação, por vezes o perdão e, mais freqüentemente, a punição exemplar, sugerem justiça, insuflam esperança, fé no futuro. Mais um motivo pelo qual estas histórias são tão fascinantes é o fato de que tratam dos temas angustiantes da humanidade: a origem da vida, a morte, o abandono, a perda dos pais e também a sexualidade. Finalmente, estas histórias, desenhos e canções abordam a criação e vivência de mundos imaginários, mundos que não existem - mas, quem sabe?... Ao abrirem espaço para o que não existe, para o que é imaginado, produto da fantástica mente humana, supõem e dependem de criatividade. Terão as canções, as histórias e os desenhos infantis mudado ou preservaram, retirada toda a nova roupagem, características que apresentam há muitos anos? Assim como alguns conteúdos persistem, o estilo mudou, tanto em ritmo da narrativa quanto em construção dos personagens. Um exemplo emblemático é o caso do desenho animado da atualidade "A vaca e o frango", cujo traço é nervoso, rápido, o humor é ácido, corrosivo mesmo. No entanto, as crianças pequenas (até 5/6 anos) ficam atentas aos quadros e imagens coloridas que mudam rapidamente, fixando-se em fragmentos da trama, reduzida às mesmas moléculas dos contos tradicionais infantis: bem/mal, amor/ódio/reparação,vida/morte, desejo/realidade, etc. Uma pergunta, no entanto, se impõe: será que esta narrativa tão veloz estimulará pouco o pensamento, em benefício da imagem fugidia, deliciosa mas fugaz? Parece não dar tempo para pensar, para ficar triste, chorar, ter medo e ter esperança de melhorar! Por outro lado, pode uma história infantil/canção/desenho provocar algum efeito negativo sobre a criança? Há que se avaliar mais o modo e o momento em que são contadas, do que seu conteúdo em si. Por exemplo, a história da "Bela Adormecida"contada antes de dormir, ou a história de "João e Maria" contada a uma criança que está hospitalizada ou antes de dormir pode aumentar seus temores de abandono, em lugar de tranqüilizar ou ajudar a elaborar temores. Assim, o papel dos adultos é fundamental: conversar sobre o que as crianças estão pensando a respeito do conteúdo das histórias, seu tema, a época e as condições em que a trama se passou. Mas, cuidado: não cabe ao adulto 'moralizar' as histórias, com frases do tipo "viu o que acontece quando não se obedece à mamãe?" O importante é que as hipóteses da criança possam ser externadas através da elaboração secundária, e que o adulto possa acolher o conteúdo de seu universo psíquico, em lugar de tentar dirigi-lo. Isto implica, da parte do adulto, muita generosidade, altivez e capacidade de brincar de brincar com a criança... - FORTUNA, T. R.- "O fascínio das canções, histórias e desenhos animados infantis". "Criar" Revista de Educação Infantil, São Paulo, ano 1, n. 3, p. 20-21, maio/jun. 2005. Também publicado como - FORTUNA,T. R. - "Mundos imaginários: elementos que ajudam na construção do patrimônio lúdico da criança". Revista do Professor, Porto Alegre, v. 21, n. 83, p.5-6, jul./set. 2005. TÂNIA FORTUNA é Professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da UFRGS. Coordenadora geral do Programa de Extensão Universitária "Quem quer brincar?" (www.ufrgs.br/faced/extensao/brincar) |
13/06/2006 |
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