BRINQUEDO, BRINCADEIRA E MEIO AMBIENTE
ALTMAN, Raquel Zumbano
BRINQUEDO, BRINCADEIRA E MEIO AMBIENTE
Palestra proferida por Raquel Zumbano Altman
Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança durante o Seminário SP-ECO 92
(São Paulo/Osaka) na PUC de São Paulo



"Quando a guerra da Europa terminou, os ditadores, reis e presidentes cuidaram da discussão da paz. Reuniram-se num campo aberto, sob uma grande barraca de pano, porque já não havia cidades: todas haviam sido arrasadas pelos bombardeios aéreos. E puseram-se a discutir, mas por mais que discutissem não saia paz nenhuma. Parecia a continuação da guerra, com palavrões em vez de granadas e perdigotos em vez de balas de fuzil.

Foi então que o rei Carol da Romênia se levantou e disse:

_Meus senhores, a paz não sai porque somos todos aqui representantes de paises e cada um de nós puxa a brasa para a sua sardinha. Ora, a brasa é uma só e as sardinhas são muitas. Ainda que discutamos durante um século, não haverá acordo possível. O meio de arrumarmos a situação é convidarmos para esta conferência alguns representantes da humanidade. Só essas criaturas poderão propor uma paz que satisfazendo a toda a humanidade também satisfaça aos povos, porque a humanidade é um todo do qual os povos são as partes. Ou melhor: a humanidade é uma laranja da qual os povos são os gomos.

Essas palavras profundamente sábias muito impressionaram aqueles homens. Mas, onde encontrar criaturas que representassem a humanidade e não viessem com as mesquinharias das que só representam povos, isto é, gomos da humanidade?

O rei Carol, depois de cochichar como General de Gaulle, prosseguiu no seu discurso:

_Só conheço, disse ele, duas criaturas em condições de representar a humanidade, porque são as mais humanas do mundo e também são grandes estadistas. A pequena república que elas governam sempre nadou na maior felicidade.

Mussolini, enciumado, levantou o queixo.

_Quem são essas maravilhas?
_ Dona Benta e Tia Nastácia, respondeu o rei Carol, as duas respeitáveis matronas do Sítio do Pica-Pau Amarelo, lá na América do Sul. Proponho que a conferência mande buscar as duas maravilhas para que nos ensinem o segredo de governar os povos.

_Muito bem, aprovou o duque de Windsor, que era o representante dos ingleses. A duquesa me leu a história desse maravilhoso pequeno país. Um verdadeiro paraíso na terra e também estou convencido de que unicamente por meio da sabedoria de Dona Benta e do bom senso de tia Nastácia o mundo poderá ser consertado. No dia em que o nosso planeta ficar inteirinho como é o sítio, não só teremos paz eterna como a mais perfeita felicidade.

Os grandes ditadores e outros chefes da Europa nada sabiam do sítio. Admiraram-se daquelas palavras e pediram informações. O duque de Windsor começou a contar, desde o começo, as famosas brincadeiras de Narizinho, Pedrinho e Emília no Pica-pau Amarelo. O interesse foi tanto que pouco depois todos aqueles homens estavam sentados no chão, em redor do duque, ouvindo histórias e lembrando-se com saudades do bom tempo em que haviam sido crianças e, em vez de matar gente com canhões e bombas, brincavam na maior alegria de "esconde-esconde" e "chicote-queimado". Comoveram-se e aprovaram a proposta do rei Carol.

Eis explicada a razão do convite a Dona Benta, a Tia Nastácia e do Visconde de Sabugosa para irem representar a Humanidade e o Bom Senso na Conferência da Paz em 1945."

Este trecho de Monteiro Lobato, do 1º capítulo de A Reforma da Natureza, embora sem grande qualidade literária, faz-nos relembrar as boas idéias de uma boneca atrevida e de dois meninos espertos querendo mudar o mundo segundo a visão infantil - que as frutas das árvores nascessem em galhos baixos a fim de facilitar a colheita, a criação de um livro comestível em que cada folha tivesse um sabor, torneirinhas nas tetas das vacas, pernilongos "cantando" músicas agradáveis nos ouvidos das pessoas, questionando porque tantos pés para a centopéia e nenhum para a minhoca, os morros com os picos para baixo para eliminar a canseira da subida, os objetos sem peso, pulgas com o pulo em câmera lenta, para ficarem "pegáveis". Enfim, o "mundo infantil" estaria criado, seria dado ás crianças criar conforme sua veloz imaginação. Este livro deliciou crianças de mais de uma geração e sua leitura nos deu a idéia de criar 2 cenários: aquele vivido pelas crianças nos anos 40, logo após a 2ª guerra mundial e a dos anos 90, em especial aquelas que brincam em São Paulo, após a ECO 92. Pensamos em crianças de classe média, de famílias estruturadas, freqüentando escola, tendo momentos de lazer. A média etária de 8 a 12 anos.

Nos anos 40 uma criança de 8 anos, vivendo em um bairro de ruas calçadas, freqüentando uma escola particular de boa qualidade, no período da tarde, tem a manhã ocupada com as lições de casa, algum brinquedo para dentro de casa. Meninas brincam com bonecas, meninos com soldadinhos de chumbo, forte apache, em geral tem um animal de estimação - um cão, um gato, uma tartaruga, peixinhos no aquário.

À tarde de volta da escola, largando a mochila e lancheira, correm para a rua ao encontro dos amiguinhos. Os pais ou um adulto ficam no portão conversando com os vizinhos, supervisionando de longe as brincadeiras. Os meninos menores com seus cavalinhos de pau, seu jipinho de lata, brincam separados. Na calçada as meninas brincam de amarelinha, passando depois para o "ordem-seu-lugar", com a bola, pulando corda, de lenço atrás, passa passa três vezes, cantando em roda Ciranda-Cirandinha, Senhora Dona Sancha. Os meninos no meio da rua, jogam gaxeta, abafa com as figurinhas de coleção que trazem times de futebol, as 7 maravilhas do mundo, as mais belas catedrais, personagens históricos, flores, frutos, grandes descobertas, grandes inventos. Meninas maiores trocam figurinhas das balas Fruna contendo artistas de cinema da época: June Allyson, Elisabeth Taylor, Clark Gable, Esther Williams. Meninos trocam gibis. Meninas emprestam revistinhas do Hortelino Trocaletra. A bola de meia substitui as outras brincadeiras dos meninos ganhando do bandido e do mocinho, do esconde-esconde, do upa-na-mula, da cabra-cega, do taco. Nos dias de chuva, quando o tempo melhora, meninos e algumas meninas tiram o sapato para correr na enxurrada. Alguns menores já têm triciclo, outros têm bicicleta, depois vem a moda dos patins, do patinete, do bambolê, da cama-de-gato. Os meninos puxam barriletes, as meninas fazem cata-ventos para os irmãos menores. Algumas meninas colecionam papel alumínio de chocolate para fazer bolas, outras juntam os números da caixinha de chicletes.

Vivendo próximos ao rio Tietê, alguns meninos se aventuram a um passeio de barco com os mais velhos. Crianças maiores se encorajam e vão de bicicleta até outros bairros enquanto meninas menores brincam de casinha, fazem comidinha e até roubam água benta da igreja vizinha para fazer o batizado da boneca, alguns meninos trepam em goiabeiras e abacateiros dos fundos de quintal, muitas vezes comendo os frutos do próprio pé com bicho e tudo. As crianças se divertem com as galinhas, cortam minhocas e lagartixas para ver se as partes vibram isoladamente, procuram os girinos nas poças d'água, viram besouros de barriga para cima e fazem apostas sobre o tempo que tardam a virar, analisam o formigueiro e a vida das formigas; nos jardins as crianças acompanham o crescimento das flores, algumas plantam cenouras, feijão, girassol e acompanham seu desenvolvimento. Faz-se competições de bilboquê, iô-iô e joga-se dominó. As crianças criam as próprias regras, acatadas pelo grupo. As crianças vão para a escola de bonde, uniforme completo de verão ou de inverno. Brincam girando a catraca nos bondes fechados e alguns meninos ousam ficar no estribo dos bondes abertos. Algumas crianças têm aula de piano ou ballé.

As crianças convivem com os dias de guerra, aprontam brincadeiras para as noites de "b

12/02/2007

 


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