PARA QUE PRECISAMOS DA NATUREZA?
Rita Mendonça
Há incontáveis maneiras de respondermos essa pergunta. Um novato no assunto, ao observar seu entorno, poderá responder sem demora que, de fato, não precisamos do mundo natural para nada. Nossas casas, escritórios, lojas, ruas, são de cimento, concreto, vidro, asfalto, são feitos de materiais não vivos que em nada nos fazem lembrar da Natureza.
Além disso, as formas quadradas, retas, perfeitamente regulares, em nada se parecem com os ambientes naturais, que se caracterizam pela assimetria e a irregularidade. As paredes das construções formam grandes planos que interceptam nossa visão, frustram nosso olhar curioso e impedem que tenhamos uma apreensão mais ampla do espaço em que vivemos.
Nas cidades, as construções são estáveis, não nos surpreendem. Podem até variar de cor, se estivermos sensíveis às variações de luz durante o decorrer do dia e do ano, e se não tivermos abandonado a poesia que ainda pode resistir em nós. No entanto, sem considerar as ordens de demolição, o que está construído permanece estável, para nos proporcionar sensações de conforto e segurança. Os odores também costumam ser pouco variados, de maneira geral desagradáveis, misturados ao cheiro da fuligem dos veículos.
Sendo assim, concluímos, dentro da lógica imediatista que caracteriza nossa cultura, que realmente não precisamos da natureza para nada. Nosso viver na cidade está garantido pela segurança e conforto proporcionado pelas invenções humanas que, se eventualmente se inspiraram nas formas naturais, buscaram insistentemente afirmar sua supremacia criando variações muito diferentes das originais.
Os mais preocupados com os problemas ambientais dirão que precisamos da Natureza por que ela é a fonte dos recursos que precisamos para construir nossa existência. Mas esses recursos estão tão longe,que por mais que saibamos de sua importância, raramente lembramos deles no cotidiano.
No entanto, durante nossa experiência diária somos surpreendidos por diversos chamados contundentes de nosso corpo: sentimos fome, sede, cansaço, sono, desejo. Se olharmos para nossos colegas, amigos, família, veremos a espécie humana desfilar em diferentes idades, veremos a vida se mostrando em diferentes fases. Nos alegramos com os bebês que nascem e com os encontros felizes entre pares amorosos, e nos entristecemos com a morte. No que diz respeito a nossa vida diária, ao lado humano de nossas vidas, vemos que em nada diferimos dos outros animais e até mesmo plantas com os quais compartilhamos o planeta em que vivemos. Todos eles também são gerados, nascem, se desenvolvem, se reproduzem e morrem. Há grandes diferenças, claro, mas é importante compreendermos e aceitarmos nossas semelhanças, pois elas são mais essenciais que as diferenças.
Somos diferentes por que sentimos medo, raiva, alegria, afeição, saudades e tantos outros sentimentos que, de tão intensos, nos dificultam a visão de nossa real condição enquanto humanos. Somos também diferentes por que podemos nos comunicar com nossos contemporâneos e com os de outras épocas, através da escrita; podemos fazer poesia, fazer música, fazer arte; somos capazes de transformar o espaço em que vivemos. Sobretudo, somos capazes de fazer perguntas sobre nós mesmos; queremos saber o que estamos fazendo aqui, qual o sentido de nossas vidas.
Não deixamos de ser natureza nessas diferenças; somos, ao contrário, a natureza tomando consciência de si mesma. Mas estamos apressados, temos tanto o que fazer, temos compromissos, prazos, não temos tempo de pensar sobre nossas origens e nosso destino. Optamos assim por viver sem desfrutar dos atributos que justamente nos diferenciam dos outros seres vivos. Sem buscarmos o sentido das coisas, abrimos mão daquilo que mais nos faz humanos, a consciência.
Mas agora é tarde, dirão alguns. Já somos irremediavelmente urbanos e industrializados, gostamos do artificial, do descartável, do mundo prático que criamos. Por sorte, algumas pessoas sentem um certo desconforto com as facilidades urbanas e buscam os espaços onde a natureza ainda está com suas características originais. Essas pessoas sentem uma oposição, um contraste em vivenciar os dois ambientes, o urbano e o natural. A experiência no ambiente natural pode resgatar sensações de um outro tipo de conforto, um conforto para a alma, que fica oprimida na cidade. Por isso, ficamos doentes, tantas vezes quantas nossas almas conseguem dar o sinal, nos alertar.
É inevitável que as pessoas, quando visitam os ambientes naturais, carreguem consigo sua experiência urbana expressa nas movimentações do corpo, nas formas de olhar, no desejo de vencer e se apropriar do espaço, na despreocupação com os outros, deixando lixo e barulho. Mas bastam simples indicações para que elas passem a desfrutar dessa preciosa experiência de outra forma, mais reverente e inclusiva.
Conscientes ou não, estamos todos ávidos por encontrar sentido nas coisas, estamos ávidos de ambientes que nos ajudem a resgatar um equilíbrio interno, estamos sedentos de vivenciar uma outra forma de tempo, de movimentar nossos corpos em espaços mais desafiadores, que nos permitem utilizar nosso potencial. Por mais que tenhamos criado ambientes e sistemas de vida desumanos, ainda estamos longe de ter expressado todo o nosso potencial humano.
Por incrível que pareça, quanto mais selvagens forem os espaços visitados, mais conseguimos tomar consciência da nossa própria humanidade. Para que, então, precisamos da natureza? Para muito mais do que obter recursos para transformar em bens de consumo e de descarte. Precisamos não só que ela exista, mas precisamos, sobretudo, conviver com ela, para resgatarmos nossa dignidade enquanto seres capazes de pensar sobre si mesmos. Se um dia conseguirmos destruir todas as nossas matas, todos os ambientes selvagens, ficaremos sem a "escola" que nos ensina incansavelmente a conhecer a nós mesmos.

-Rita Mendonça é diretora geral do Instituto Romã de Vivências na Natureza.
www.institutoroma.com.br, escritora e professora universitária.

21/03/2007

 


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