FAZ-DE-CONTA: INVENÇÃO DO POSSÍVEL
KLISYS, Adriana
Criança tem mesmo uma mania saudável de inventar, tirar leite de pedra ou boneca de leite. Boneca de leite? Sim! Era minha boneca preferida! Adorava ir à padaria buscar leite. Pelo caminho, vinha ninando meu bebê saquinho de leite embrulhado naquelas folhas-cetim. E lavar o bebê na pia e enxugá-lo no pano de prato! Era o máximo! Pena que nunca podia ficar brincando com o saquinho de leite por muito tempo, afinal para adulto... "Larga isso! Tá pensando que é brinquedo!" Ué! Para mim era. E já não se fazem mais brinquedos como antigamente... Os saquinhos estão sendo substituídos por caixas duras. Tudo bem! Certamente as caixas duras terão outras finalidades nas mãos das crianças! As crianças sempre encontram relações inusitadas, estabelecem conexões que os adultos já desaprenderam, como essa do saquinho de leite. Como pode algo tão frio ser um bebê? Até isso era incorporado na brincadeira. A água sempre estava mais quente que o saquinho de leite, assim o bebê podia desfrutar de outra temperatura no banho na pia, antes de ser agasalhado com o pano de prato!

Outros brinquedos de infância fantásticos eram os saquinhos rendados, aqueles que serviam para embalar limões, laranja, cebola... Na feira quase tudo vinha nestes saquinhos. Eu vivia pedindo aos feirantes uns a mais. Colecionava uma variedade de cores. Enrolava os saquinhos ao contrário até ficarem no formato de frutas. Ai sim podia montar minha própria barraca!

A Tita e o Duda eram parceiros fundamentais nestas brincadeiras. Qualquer caixa servia de banca; as "frutas" eram conseguidas na feira, as "verduras" em qualquer mato! Mas o que era de fato essencial era a decoração da barraca: combinar cores de frutas era o principal, afinal... Imagem é tudo em questão de alimentos! Passávamos mais tempo arrumando nossa banca do que propriamente vendendo nosso peixe. Enrolar aqueles saquinhos rendados era algo tão especial, tão transformador! Era muito melhor do que qualquer fruta de plástico, era algo mágico, um truque aprendido com minha tia. Mal ela sabia a importância deste ensinamento e quanta brincadeira nos rendeu!

Gostava muito de apreciar o jeito como os alimentos estavam organizados na feira, me pareciam tão belos, iluminados, cheio de cores. Ficava fascinada! E até hoje aprecio os passeios na feira, acho que os alimentos têm mais vida que nos sacolões e supermercados. Engraçado o olhar de uma criança para o mundo, tudo parece em zoom e muito maior. Se comparar meu campo de visão, de antes com o de hoje, tudo muda. Antes, pela própria altura, aquela pilha de frutas parecia ser um mar que não acabava mais... olhava primeiro as frutas depois é que enxergava, olhando mais ao alto, o feirante, por isso a idéia de colecionar saquinhos era fundamental na brincadeira, para se ter uma barraca à altura de um bom feirante!

OS BRINQUEDOS DE MINHA INFÂNCIA! AH! SUCATAS!OBJETOS-BRINQUEDOS!
Tanto me acompanharam estes objetos, e agora me acompanham de outra forma, como educadora que se preocupa com a questão lúdica na vida das crianças, jovens e adultos.
São tantas as brincadeiras de faz-de-conta das crianças e seus universos riquíssimos em possibilidades. Tudo muito simples, começa-se pelo princípio do "tá bom que eu era..." rei, princesa, modelo, professora, super-herói, fada, bruxa, piloto de fórmula 1, samurai, palhaço...

O QUE TODAS ESTAS BRINCADEIRAS TÊM EM COMUM?
São brincadeiras de faz de conta, também conhecidas como jogo simbólico, jogo de papéis. Este jogo se caracteriza pela capacidade que desenvolvemos de representar, de simbolizar. O uso do símbolo - de considerar uma coisa como sendo outra - é uma característica do pensamento imaginativo. Uma caneta, a princípio, é um objeto que serve para escrever, mas nas mãos de uma criança pode virar termômetro, cigarro, pente, lixa de unha etc. Tudo isto só é possível porque a criança é capaz de utilizar símbolos, a caneta vira, na brincadeira, símbolo do termômetro, pente... Por isso este tipo de jogo se chama jogo simbólico.

As crianças e suas brincadeiras prediletas de inventar brincadeiras! A vivência lúdica sem dúvida é a alma para a criatividade! Donas de uma imaginação infinita, as crianças carregam consigo um grande tesouro! O segredo de como inventar tantas brincadeiras e passarem dias maravilhosos em naves espaciais, dirigindo carros fantásticos, viajando pelo mundo da imaginação! Uma visão muito transformadora do mundo, que acredita nas possibilidades. O faz-de-conta é um pouco isso: desejar algo e apostar que é possível ter uma solução criativa para se ter/ser/ viver o que se quer.

POR QUE AS CRIANÇAS SE INTERESSAM TANTO POR BRINCADEIRAS DE FAZ-DE-CONTA, COMO AS QUE TODOS NÓS DE UMA FORMA OU DE OUTRA VIVENCIAMOS EM NOSSA INFÂNCIA?
As crianças e todos nós algum dia vivemos experiências muito significativas em nossas vidas como fazer castelos, tendas, esconderijos ultra-secretos, barracas usando lençóis... Quando arranjávamos tais espaços era como se realmente acreditássemos no que criávamos e este é um exercício muito interessante. Tornar viável o que desejamos. Transformar impossibilidade em possibilidade. Um aprendizado para a vida! Com criança a regra do improviso é lei! Empreendedora por natureza, sempre persegue seus objetivos na brincadeira e encara esta atividade com toda a seriedade, estando muito presente no que faz.

A criança está tão empenhada em brincar pois uma das coisas importantes que está em questão nesta atividade é a vontade de entender como se dão as relações sociais, como é o mundo dos adultos. Brincando de compra e venda, casinha, médico, mecânico, a criança também está se apropriando deste mundo adulto.

A contradição entre a necessidade de agir da criança em relação aos objetos e ao mundo adulto e a impossibilidade de executar operações exigidas pelas ações, pode ser resolvida na brincadeira. Se ela ainda é pequena para escolher uma profissão, pode-se imaginar numa que elegeu na brincadeira, se ainda é nova para dirigir um automóvel, pode iniciar-se no papel de motorista, com carrinhos de brinquedo, ou mesmo separando uma simples roda e imaginando-se num jogo de dirigir um carro. Assim, dizendo: "tá bom que eu era motorista..." vai construindo e conhecendo suas possibilidades de atuação na sociedade.

Outro motivo pelo qual a criança brinca é para experimentar sensações, vivenciar outras formas de se colocar no mundo. Talvez fique mais claro com um exemplo. Uma criança que brinca ser jogador de futebol - o que é diferente de jogar futebol (jogo de regra) - imagina-se um grande craque em seu faz de conta. A medida que vai fazendo passes fantásticos com incríveis dribles vai narrando estas maravilhas, como se fosse ao mesmo tempo jogador, juiz, radialista e até torcida. Sim, pois quando faz o gol neste jogo de faz-de-conta de jogador de futebol, incorpora o Maracanã inteiro no coro da torcida clamando pelo grande jogador que se é na brincadeira. Experimentar o sucesso na brincadeira, a força, determinação de um herói, a braveza ou doçura da mãe, a coragem do pirata, o espírito de aventura de um viajante das galáxias, o ódio mortal às criaturas do mal,... tudo isso faz parte da vida. Viver intensamente todos estes sentimentos no faz-de-conta é também experimentar muitos papéis e aprender com eles, crescer e amadurecer. Experimentar e exercitar formas de ser e estar no mundo e como nos sentimos em diferentes situações.

O brincar caracteriza-se como uma mescla entre as apropriações culturais e a possibilidade de expressão da criança, fruto de sua forma particular de pensar e interagir com o mundo, que vai articulando suas experiências de vida às experiências em suas brincadeiras.

Uma das formas de apropriar-se da cultura se dá pelo contato com as imagens e representações sociais. Neste sentido, pode-se dizer que o brinquedo tem um lugar de destaque na apropriação cultural por ser um importante forne

27/08/2005

 


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