O ARTESÃO DO SERENO |
MELLO, Thiago de |
Nesta época de brinquedos embrulhados em presentes, partilhamos com vocês o lirismo do grande poeta que o Amazonas deu ao Brasil e o convidamos a desembrulhar os brinquedos úmidos de orvalho de Thiago de Mello.
O ARTESÃO NO SERENO Não convém embrulhar este brinquedo feito de amor. Pode estragar, pode mudar de cor, mudar de rumo, deixem, que ele precisa de ar. E de resto ele foi feito para meu filho que é pessoa singela e sensível, não vai gostar de ver orvalho e ternura embrulhados. Feito para o meu filho, pode ser para o filho de qualquer um, por isso não convém que ele seja levado em mão ao dono, que não tem pressa; um dia, os correios do vento acharão sua casa. Este brinquedo pode e pede levar sol. Mal sol da manhãzinha. O da tarde não serve porque altera os azuis. Não disse o azul geral. Sei a que azuis refiro, sei que azuis usei. Brinquedos são peças mui delicadas de um modo geral, até os nobres cavalos que pobres crianças tiram de vassouras. Quanto mais esses brinquedos que devem, depois de feitos, ou para que fiquem feitos, adormecer muitas noites no sereno da janela. Só quem fabrica é quem sabe (ou então não sabe nunca) as infinitas maneiras e desmaneiras do ofício, a total falta de lei para compor o mais simples, se é que todos não são simples, desses brinquedos de amor, feitos de tudo, inclusive de palavras que, ao final de contas, são o de menos. Mas não sei de teorias, minha vida é fabricar o que não sei, fabricando o amor no amor por amor dos brinquedos, meus brinquedos, ai, meu Deus, vou trabalhar, que o sereno hoje está bom. Publicado no livro "Faz escuro mas eu canto", de 1965. |
18/12/2005 |
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