Compreender a sexualidade infantil requer algo para além do conhecimento do desenvolvimento da sexualidade. É preciso associá-lo ao desenvolvimento emocional como um todo, bem como às peculiaridades masculinas e femininas nas diversas idades compreendidas entre 0 e 6 anos .
Apesar dos escritos e apontamentos de Freud, bem como da revolução sexual, questões relacionadas à sexualidade ainda nos surpreendem, embaraçam e envergonham. Seja diante da criança, do adolescente ou do adulto, as manifestações da sexualidade mexem com todo mundo.
Costumamos pensar em sexo e nas manifestações da sexualidade com a cabeça de gente grande, com a experiência do adulto, esquecendo de como fomos e vivemos a nossa sexualidade até chegar à vida adulta.
Se fizermos um exercício de pensar em quais são as partes eróticas do homem e da mulher, imaginando o corpo todo, de imediato pensaríamos nos órgãos genitais externos masculinos e femininos, na boca, nos mamilos, no pescoço e talvez atrás da orelha e nas nádegas. Pensando mais um pouco, surgirão em nossa imaginação as pernas, os braços, as axilas, as costas, o ventre, etc. enfim o corpo todo. Pois é, o corpo todo é erótico! Com isso podemos dizer que a sexualidade, de imediato, está diretamente associada a genitalidade, mas, no entanto, ao refletirmos um pouco mais constatamos que todo o corpo é erótico. Além disso, a vida e a nossa relação com ela, com a natureza, com o trabalho, pode estar repleta de prazer. Portanto, o prazer não está só na relação sexual, no ato sexual ou na masturbação.
Mas por que será que o corpo todo é erótico? Porque quando nascemos é pelo corpo que sentimos o mundo. A proximidade física e mental dos pais cria no bebê uma sensação de segurança e amor. É no início da vida que o ser humano adquire a imagem boa ou frustradora da mãe e do pai. Cada um de nós carregará ao longo da vida essa imagem, a qual influenciará nossa capacidade amorosa e nossa sensação íntima de bem-estar, mesmo nas situações mais difíceis.
Portanto, o desenvolvimento afetivo-sexual da pessoa será resultado da combinação do componente biológico (índole inata do bebê) com o ambiente e o meio cultural (do qual os pais são parte fundamental).
Vários discípulos de Freud se dedicaram a estudar o desenvolvimento precoce do psiquismo. Melanie Klein e Bion destacaram-se por estudar a importância das primeiras relações mãe-bebê. Bion chamou atenção para a capacidade da mãe em tolerar o choro e a angústia do bebê, e além disso transformá-los buscando atender as necessidades do bebê. Essa capacidade da mãe em ficar com seu bebê, sem se desesperar, é o que favorecerá as condições para o seu desenvolvimento emocional. Bion chamou essa capacidade da mãe de função de rêverie, indicando um estado de receptividade tanto emocional quanto cognitivo aos sinais que provém do bebê.
Essa capacidade de rêverie, da mãe ou de quem cuida do bebê, vai ao encontro das necessidades dele, procurando acolher, aceitar, digerir e nomear as inúmeras emoções do bebê para que ele possa aos poucos reconhecê-las.
Ao nascer, o bebê perde a tranqüilidade do útero materno - lugar protegido onde nada falta - e chega em um mundo estranho e frustrador no qual ele vai ter que se adaptar. A capacidade de rêverie da mãe é que permitirá que o bebê possa lidar com suas fantasias, desconfortos e medos muitas vezes aterrorizadores, pois ele nasce com poucos recursos para lidar com essa situação de total desamparo. Se a mãe é capaz de rêverie, ela suporta a aflição do bebê e, pela sua capacidade de tolerar, digerir e nomear a angústia, faz com que o bebê suporte melhor a própria ansiedade. Quando a mãe possui esta capacidade, aos poucos a criança também a desenvolve, criando dentro de si mesma os meios para tolerar a frustração e a dor.
Pela rêverie, a mãe transforma a turbulência emocional do bebê, tolerando em si a angústia do filho, nomeando-a de forma a ser tolerável para ele e oferecendo algum sentido. Só então o bebê torna-se capaz de armazenar, simbolizar, pensar e sonhar sobre tais experiências. Assim a criança vai desenvolvendo sua capacidade para tolerar frustrações e para pensar. Portanto, a capacidade de rêverie da mãe permite que o bebê vá "alfabetizando" seus sentimentos. Quando isso não ocorre adequadamente é possível que se desencadeie quadros de transtornos globais de desenvolvimento, como a psicose infantil ou autismo.
A auto-exploração é outra experiência fundamental para o desenvolvimento saudável da sexualidade da criança. Muito cedo, às vezes antes de um ano de idade, ela aprende a brincar e a ter prazer com o próprio corpo. Há ocasiões em que o bebê se contrai, relaxa e contrai novamente o corpo, reagindo negativamente se interrompido, pois está tendo prazer com a brincadeira.
A relação boa com a mãe possibilita um auto-erotismo genital. Isso parece ser a condição essencial para que o corpo e o aparelho genital sejam investidos libidinalmente, o que possibilitará o prazer sexual e a alegria de viver no adulto.
A teoria do desenvolvimento da sexualidade foi construída por Freud em várias fases, uma consecutiva à outra. Iremos tratar de cada uma delas, mas devemos compreendê-las como um todo articulado, pois todas elas, de uma forma ou de outra, vão compor a nossa sexualidade adulta.
Quando somos bebês vivemos a primazia da fase oral, isto é, a boca é a região do corpo na qual mais temos prazer. No decorrer da vida, ela vai se manifestar no prazer de comer, de beijar, de fumar, de falar etc. Isso significa também que o bebê utiliza-se da boca para descobrir o mundo. Ele experimenta o mundo pela boca, e põe tudo nela.
A partir de um ano e meio e dois anos vivemos a primazia da zona anal. É o momento em que iniciamos as crianças no controle dos esfíncteres. O controle dos esfíncteres gera grande prazer nas crianças, pois as fezes e a urina representam suas primeiras produções. Vocês já pensaram nisso, que as primeiras coisas que fizemos e colocamos no mundo foram nossas fezes e urina? Esse prazer vai se manifestar depois, especialmente nas artes plásticas e não só, mas em todas as coisas que produzimos, desde textos, teses, até mesmo as produções virtuais via internet. As vivências da fase anal oferecem à criança a primeira possibilidade de controle ativo, sobre si mesma e também sobre o mundo que a rodeia, por meio dos primeiros produtos que ela consegue identificar como seus. Estão nessas experiências a origem da estruturação da autonomia.
O cocô e o xixi assumem, na fantasia das crianças, todos os tipos de poderes mágicos. A conduta dos adultos, quando ficam muito preocupados com a regularidade intestinal, confirma para elas a fantasia de terem uma arma perigosa nas fezes. O "prender", não fazer no urinol ou fazer nas calças parece ser, realmente, uma arma perigosa contra os pais. Pode ocorrer que o valor oposto se aplique a isso, como algo precioso, um dom maravilhoso que se pode conceder ou não, à vontade.
Desde a mais tenra infância, as fezes e a urina se mesclam, imaginariamente, de qualidades intimamente ligadas ao relacionamento da criança com os pais. Pouco a pouco ela pode exprimir verbalmente certos aspectos de algumas dessas fantasias. Se soubermos o grau do significado das fantasias que as crianças emprestam aos produtos corporais, não nos surpreenderemos com as oscilações dos primeiros anos de educação higiênica, mesmo nas famílias mais disciplinadas.
Depois desse período, por volta de três anos, surge o que Freud chamou de fase fálica. É quando as crianças não param de nos fazer perguntas, a fase dos por quês: O que é isso? Pra que serve aquilo? Como faz isso? De onde vem isso? E como é aquilo? É quando a criança é capaz de manifestar sua curiosidade sexual. Se estivermos atentos, em algum momento ela vai querer saber como veio parar nesse mundo.
Um menininho de pouco menos de três anos passou semanas perguntando à sua mãe, a cada tanto, como se faz montanhas, carr
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