HOSPITAL É LUGAR DE BRINCAR?
Tânia Ramos Fortuna (1)
A recente sanção pelo Presidente da República da Lei n. 11104 (21/03/05), cujo art.1º determina que "os hospitais que ofereçam atendimento pediátrico contarão, obrigatoriamente, com brinquedotecas nas suas dependências", reforça a idéia de que o educador deve ir onde o aluno está, e se há um aluno hospitalizado, lá deve haver um educador - um educador capaz de brincar e de promover o brincar. Por quê?
Porque o educador lúdico no hospital é aquele profissional que, exercendo a função de recreacionista, brinquedista, professor da classe hospitalar, contador de histórias, ou, ainda, de médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social, arte-terapeuta, etc., estimula o desenvolvimento e a aprendizagem humana através de jogos e brincadeiras. A brinquedoteca, como espaço do brinquedo e lugar de brincar é o local especialmente preparado para esta estimulação. Deste modo, contribui para conectar a pessoa com o mundo exterior ao hospital e ajuda-a a compreender o mundo do hospital, brincando.
No Japão, há centenas de anos - o que se observa, também, em outros povos - as bonecas são colocadas junto à criança doente; quando a criança 'fica boa', a boneca é queimada ou jogada fora, para que leve embora, consigo, a doença. O que faz uma boneca ser capaz de afastar a doença? Do que decorre a força curativa do brincar? É sabido que os brinquedos e os objetos de culto têm, em comum, a função de serem ponte entre este mundo e o outro mundo. No caso dos brinquedos, conectam o indivíduo tanto à realidade externa quanto a sua realidade interna. O étimo da palavra brincar, de origem latina, vinculum, remete à compreensão da brincadeira como uma liga, assim como uma das explicações etimológicas da palavra religião é re-ligação, do latim re-ligare. Quaisquer que sejam as explicações para a força curativa dos brinquedos e das brincadeiras, a 'mágica' que perpassa o ato de brincar é explicada pelo fato de que, sendo a brincadeira universal e própria do indivíduo saudável, facilita o crescimento e, portanto, é uma permanente passarela para a saúde.
Se o hospital for entendido como um lugar onde a doença e a morte são enfrentadas, a partir de conhecimentos e técnicas especializadas, a favor da saúde, sendo a doença compreendida não como oposição à saúde, mas como desestabilização e confronto com o incontrolável e o inesperado, característicos da vida, e baseando-se a brincadeira no enfrentamento do inesperado, exigindo capacidade de enfrentá-lo e ensinando como fazê-lo, então brincar no hospital ensina a enfrentar a doença promovendo a saúde.
Por isso, brincar no hospital reveste-se de um potencial revolucionário, mais amplo e mais fecundo do que o colaboracionismo que caracterizam certas práticas lúdicas no hospital, quando a criança é manipulada e enganada através de brincadeiras, a fim de ser submetida mais docilmente às intervenções laboratoriais, clínicas e cirúrgicas, do mesmo modo que sua aprendizagem é disfarçada através de jogos, na escola.
O potencial revolucionário que tem a brincadeira quando praticada no hospital baseia-se na certeza de que, para além do atendimento às necessidades clínicas, o hospital deve abrigar e desenvolver práticas identificadas com a afirmação da vida. Brincar no hospital é um modo de reafirmar a vida, porque brincar comprova o milagre da sobrevivência: brincar é uma prova de vida.
(1)Professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora geral do Programa de Extensão Universitária "Quem quer brincar?" (www.ufrgs.br/faced/extensao/brincar)
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