O VIZINHO BATE À PORTA: O SURREALISMO NA BRINQUEDOTECA
Cristina Muniz
O VIZINHO BATE À PORTA: o surrealismo na brinquedoteca
Cristina Muniz

A brinquedoteca do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ) funciona no prédio da Educação Infantil, atendendo regularmente suas turmas. Promove projetos e parcerias com as turmas das séries iniciais do Ensino Fundamental e com o centro cultural da escola. Oferece também campo de estágio supervisionado para alunos do curso de formação de professores.

A partir de uma proposta de trabalho com a arte surrealista, fomos visitar uma exposição no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Expusemos na brinquedoteca diversas reproduções de pinturas feitas pelas crianças, ao mesmo tempo em que juntamos material que nos permitisse organizar experiências com as técnicas de assemblage (construção tridimensional freqüentemente feita com objetos e materiais achados, coletados e reunidos em uma única peça, formando uma escultura sem interferência de entalhe) e fotomontagem (colagem de imagens fotográficas, em princípio reunidas ao acaso ou sem método lógico).

A arte escrita foi também nossa fonte de inspiração. Tristan Tzara chegou com sua poesia, tão pertinente à nossa proposta:

UM PLANO DE JOGO: os termos do surrealismo

Apanhe um jornal
Apanhe algumas tesouras
Escolha um artigo do tamanho
que você pretende dar ao seu poema.
Recorte o artigo
Depois recorte cuidadosamente cada palavra
do artigo e coloque-as em um saco.
Agite levemente.
Depois retire um recorte após o outro.
Copie-os conscienciosamente.
na ordem em que saíram do saco.
O poema se parecerá com você
E você será um escritor de infinita originalidade e
encantadora sensibilidade, ainda que incompreensível às massas.

O surrealismo pensa a infância como constitutiva de seu universo.

"Buscar a liberdade da infância, a imaginação germinando seus primeiros vôos, isso interessa aos seres de espírito surrealista ... em nós, ainda em nós, sempre em nós, a infância é um estado d'alma".

O manifesto dos surrealistas se propunha restaurar os sentimentos humanos e o instinto como ponto de partida para uma nova linguagem artística, tendo como um de seus procedimentos básicos a livre associação de idéias. O irracional é, para os surrealistas, uma arma de combate contra o racionalismo obtuso da razão como veículo de poder, a favor da emancipação. Discute o tempo presente, em oposição ao tempo analítico, como nos mostra Rosalind Krauss: " o tempo real... experimentado ... vivido, ao longo do qual deparamos com o enigma, experimentando suas evasivas e desvios, sua resistência à própria idéia de solução". (Caminhos da escultura moderna.SP: Martins Fontes, 1988).

O Surrealismo é fenômeno vizinho do lúdico e nos ajuda a pensar a educação, considerando a emoção como um valor. Seu apelo para o acesso aos impulsos de nosso eu profundo vem ao encontro do livre jogo da imaginação, que as crianças tão bem sabem exercer.

As crianças de 4 anos entenderam prontamente a proposta da escolha dentre o repertório farto de sucatas apresentadas e selecionaram aquelas com as quais gostariam de montar suas "assemblages". Muitas fizeram casas, este é um tema muito caro para crianças nesta idade. No entanto, suas formas eram diversas. Montaram também grande variedade de engenhocas, eram ferramentas, armas, " máquinas de fazer coisas". Uma criança nos surpreendeu com um cenário de uma matança no campo de futebol, com direito a sangue feito com caneta piloto vermelha! Veja foto, que ilustra esta matéria.

Na fotomontagem, da mesma forma, as crianças elegeram as imagens que gostariam de colar. Para esta seleção contam com um repertório oferecido e também com sua própria pesquisa nas revistas disponíveis. Elas apresentavam as imagens e nos diziam as razões da sua escolha. Montamos um brinquedo em forma de biombos, construímos labirintos, brincamos no espaço e com o espaço. Neste jogo imaginário, observamos o livre acesso às profundezas do ser, de que nos fala o surrealismo. Profundezas essas, em permanente diálogo com a dimensão da realidade das crianças, conteúdo subterrâneo para o qual a brinquedoteca, a escola e vida precisam dar mais voz e espaço.

24/06/2008

 

 

 
PARCEIROS  |  MAPA DO SITE  |  BUSCA