POR QUE AS CRIANÇAS SE INTERESSAM TANTO POR HISTÓRIAS, JOGOS E FILMES VIOLENTOS?
Maria Cecília Pereira da Silva (SBPSP)
Este é um tema tão atual e importante que despertou uma preocupação internacional com a primeira infância, tanto por parte dos profissionais da saúde como da educação, no sentido de prevenir transtornos de desenvolvimento e de conduta, como delinqüência e violência.
Por que será que nós nos horrorizamos diante de jogos e brincadeiras violentas realizadas pelas crianças? Porque fomos muito influenciados pela moral judaica-cristã e também porque tivemos que com muito esforço aprender a conter nossos impulsos hostis e destrutivos. Isto que exige o desenvolvimento de muitos recursos emocionais ao longo da vida, e não é nada fácil. Nós costumamos pensar nos bebês e nas crianças pequenas como seres inocentes, ingênuos, doces e ternos. Mas desde a mais tenra idade podemos encontrar expressões de sadismo, crueldade, agressividade que vão se manifestando de várias maneiras na relação mãe-bebê-ambiente. Todo ser humano, se assim pudéssemos dizer, é composto de amor e ódio, e a raiva e a indignação são sentimentos importantes para o nosso desenvolvimento e crescimento.
Apesar de se achar que os distúrbios de comportamento, delinqüência e violência estejam ligados ao que se vê na mídia ou nos videogames, vários estudos mostram que os problemas de violência começam bem mais cedo. Estou totalmente de acordo com o Gerard Jones de que o brincar de faz de conta envolvendo fantasias agressivas e às vezes de violência são fundamentais para o equilíbrio emocional das crianças. Mas independente dos videogames, desenhos ou histórias infantis, toda criança já possui um repertório próprio de fantasias para elaborar os diversos estados agressivos. Mas como aprendemos a distinguir fantasia de realidade, como se tornar capaz de brincar de faz de conta?
Na minha experiência como psicanalista acredito que isso só é possível graças à capacidade da mãe ou de quem cuida do bebê de fazer um trabalho de digestão de tudo o que o bebê projeta fora dele e depois disso devolver para ele digerido, dando sentido e representação. Só assim o bebê vai aprendendo a lidar com a diversidade de emoções que povoa seu mundo psíquico. Deste modo, a mãe vai alfabetizando o bebê, nomeando todos os seus sentimentos e permitindo que ele comece o processo de simbolização que, por sua vez, permite que a criança seja capaz de discriminar fantasia de realidade e brincar de faz-de-conta. A figura do pai também é fundamental nesse processo, quando ajuda a mãe a se separar do bebê, permitindo que ele cresça. Além disso, mais tarde essa função de interdição do pai favorecerá a introjeção dos limites e a noção de lei por parte da criança.
Então, podemos ver que para alcançarmos a capacidade de nomear e expressar nossos sentimentos em palavras e não em atos, temos que fazer um longo percurso. Brincar de faz-de-conta matando monstros, batendo nas bonecas-filhinhas, criando acidentes de carrinhos, encenando assalto e seqüestros, estrangulando bichinhos do zoológico, etc., a criança projeta e elabora seus impulsos hostis e conflitos intrapsíquicos e vai lidando com sentimentos de ódio, raiva, exclusão, rejeição, medo, insegurança, etc.
Nós sabemos que tudo em excesso é prejudicial, até mesmo o amor. Para algumas crianças ser exposta a jogos e filmes com cenas de violência pode representar um excesso, saturar e perturbar a mente dificultando o processo vital de elaboração de seus conflitos infantis. É muito importante observarmos se a criança não se fixa demasiadamente em uma única atividade em detrimento de outras, especialmente deixando de brincar criativamente, pois isto pode indicar algum problema emocional e a necessidade de uma ajuda especializada.
A capacidade de brincar não é só expressão de desenvolvimento psicomotor é também a possibilidade de criar vínculos. Onde se brinca, a droga entra com mais dificuldade e a violência tem mais dificuldade de se impor. O brincar é a primeira posse de cidadania e não aos 16 anos quando se torna eleitor.